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Entrevista com a Prof.ª Dr.ª Renata Maria Coimbra Libólio, psicóloga formada pela PUC de Campinas que atualmente está na UNESP de Presidente Prudente no Departamento de Educação.

Ela nos conta sobre uma pesquisa que feita por ela sobre exploração sexual comercial de adolescentes e fala sobre a vulnerabilidade dessas meninas e o papel da sociedade.

Duplo Sentido: Dr.ª Renata como foi esta pesquisa, o que é esta pesquisa?

Dr.ª Renata: Bom, esta pesquisa eu realizei nos anos de 99/2000, e foi objeto de pesquisa de minha tese de doutorado. Este foi um trabalho no qual eu fiz pesquisa com quatorze adolescentes envolvidas na situação de exploração sexual no município de Presidente Prudente, e essas meninas participavam de projetos sociais coordenados pela prefeitura e o contato com elas foi a partir dos projetos sociais. Eu recolhi alguns depoimentos das meninas através de entrevistas e questionários, fiz uma pesquisa de campo no qual eu vivenciei com elas a sua vivência na exploração sexual, nas ruas exercendo a prostituição de rua. O objetivo principal dessa pesquisa foi compreende a dinâmica e natureza da exploração sexual, no sentido de elenca quais seriam fatores que contribuíam para o envolvimento delas e mais especialmente a manutenção nas redes de exploração sexual.

Quais são esses fatores que contribuem, por que depois também eu gostaria que você dissesse pra gente os fatores de proteção, mas quais são esses que contribuem?

Dr.ª Renata: Depois de ter feito a pesquisa com as meninas eu consegui levanta algumas hipóteses sobre fatores que encaminham elas a situação de exploração e que permantem. Eu elenquei esses fatores em três conjuntos, então seriam três conjuntos de fatores que tem uma força muito grande na determinação, nesse encaminhamento. O que é mais importante é pensar a exploração sexual como um processo, ela não é algo que está só relacionado a uma questão de opção pessoal mas é um processo que vai sendo desencadeado por várias situações de vulnerabilização durante a infância dessas meninas. Então são três conjuntos de fatores, conjunto de fatores macro-sociais, micro-relacionais ou situacionais e aí um conjunto de fatores subjetivos aonde existem alguns aspectos relativos a questões psicológicas que têm um impacto aí também. Com relação ao conjunto de fatores mais macro-contextual, macro-social, a gente tem que leva em conta a situação de exclusão social, uma globalização da economia, um incentivo a sociedade de consumo, e a visão que se tem sobre a mulher, sobre o poder da mulher, as relações então patriarcais que a gente tem na sociedade, ou seja, situações mais contextuais e mais amplas que tem uma força muito grande nas representações sociais sobre a mulher, sobre a adolescente de classe popular. Isso é um aspecto importante. No aspecto dos elementos mais micro-situacionais/relacionais fica muito mais nítido a importância da qualidade da relação interpessoal que existe entre essa criança, essa adolescente e sua família, seus educadores, ou seja, existem situações de violência interpessoal, como por exemplo as situações de violência doméstica, seja na forma do abuso sexual ou na forma de violência doméstica, relação de violência institucional, muitas dessas meninas passaram por um processo, na escolarização, de fracasso que muitas delas romperam com a escolaridade muito cedo, e viveram situações de violência institucional, que marcaram um pouco a trajetória dessas meninas. Alem disso você observa em termos das relações interpessoais, a vivência no grupo em adolescentes em situação de exploração, que a ralação social estabelecida entre essa menina e o grupo de pares no sentido de estimular a inserção nessa atividade, são fatores que marcam também. E do ponto de vista dos elementos mais do ponto de vista mais psicológicos ou subjetivos, a gente observa por exemplo a formação de uma identidade estigmatizada, então no processo de vivência na exploração sexual ela vai desenvolvendo uma identidade estigmatizada, que isso ajuda na permanência na exploração sexual. A gente observou uma fusão muito grande entre a identidade pessoal e a identidade social, então meninas que entram muito cedo na exploração sexual, com 11, 12 anos ela esta formando sua identidade pessoal, na medida em que ela esta trabalhando essa questão da identidade, ela esta vivendo uma função social já dada pela sua inserção tipo na pratica da exploração, então elas têm uma dificuldade muito grande de distinguir a identidade pessoal da social. Elas incorporam a identidade da mulher prostituta e isso é difícil pra ela fazer uma separação com a sua identidade pessoal, então isso é um elemento importante. O processo de vulnerabilização que leva elas a uma não vivência de direitos durante essa vida e elas se vulnerabilizam por esse processo de forma a mais fortemente incorporar as conseqüências negativas do meio ou das situações de risco aonde elas estão postas, elas têm menos condição de superar as situações de adversidades.

Duplo Sentido: Esses fatores agora de proteção, como que a gente localiza esses fatores de proteção que possam ajudar estas meninas, no caso a tomarem uma atitude diferente e não permanecerem nesta situação de exploração?

Dr.ª Renata: A gente considera que os fatores protetivos são aqueles considerados que diminuem o impacto dos fatores de risco. Como é que a gente observa fator protetor? A gente pode pega os fatores protetivos na própria história da menina, a gente pode perguntar as meninas se na sua vida, se teve momentos na sua vida que ela sentiu que teve pessoas, situações que as ajudaram, então você consegue localizar isso. Ela pode dizer que teve uma professora muito importante, ela pode dizer que teve uma avó que ajudo em alguns momentos da vida dela e na vida presente da menina a gente pode observar as redes de relações, então a gente chama, agente fala de fatores protetivos, agente fala de redes de apoio afetivo social, que pode ser âmbito pessoal e de âmbito social, geralmente a participação dessas meninas em projetos comunitários, projetos sociais que visam fortalecer e no qual existam educadores que propiciam a formação de vínculos significativo, então abrir-se essa oportunidade de formar vínculos com pessoas que querem o crescimento dessa menina, fazem com que ela por exemplo permaneça nesses projetos, que permitem a ela rever por exemplo seus objetivos de vida, seus projetos de vida, então a elaboração de novos projetos de vida propiciados por projetos sociais, pelo vínculo com os educadores, são fatores protetivos. Ela precisa ter uma rede social de apoio, que vai permitir a ela fortalecer-se e recompor um projeto de vida, que geralmente ta marcado por essa identidade estigmatizada e ela não vê caminhos de mudança de saí pra ela resignificar os seus projetos de vida ela precisa do suporte do projeto social, ela precisa do suporte do vínculo com esse educador, e muitas vezes do apoio das famílias também. Então esses são fatores protetivos.

Duplo Sentido: O que nós temos que fazer, quais são os caminhos do enfrentamento a isto?

Dr.ª Renata: Assim como os fatores que interferem na produção e manutenção, têm que ser vistos em termos de macro-contextuais e elementos mais focais, o enfrentamento a exploração sexual requer os esforços de vários segmentos. Ela pode implicar no trabalho de educadores que desenvolvem trabalhos na escola nessa linha das idéias do afetivo sexual é uma linha de prevenção e enfrentamento ao fenômeno, se pode pensa na importância do país revê políticas publicas, revê políticas sociais no sentido de garanti mais empregos, por exemplo, as famílias em situação de pobreza e exclusão social, políticas de atendimento mais emergentes muitas vezes pra famílias em situação de risco, porque a gente observa que muitas dessas meninas entram também na exploração sexual por conta de condições materiais até de sobrevivência que não é o único elemento, mas isso conta também. Então veja, o país deveria estar revendo uma série de lições de proteção a essas famílias e essas crianças vitimizadas pela violência, a questão da criminalização do agressor, então a gente observa que a perpetuação da exploração sexual se vê pelo descrédito que as vezes até o aparelho jurídico, a fala das meninas que foram abusadas ou exploradas, que reforçam a impunidade, então a gente tem que ataca a questão da criminalização do agressor, por que a impunidade dos abusadores e dos exploradores sexual perpetua essa situação, a questão por exemplo, de conhecermos muito bem o fenômeno, então é importante fazermos pesquisas pra diagnosticar o perfil dessas crianças, o perfil dos agressores, pra gente pensar em políticas focais, pois se eu sei que o agressor sexual não é simplesmente um estranho mas que está as vezes na casa dessa criança, muda o enfoque de trabalho, de prevenção do abuso. A questão do atendimento, propiciarmos políticas publicas na área de saúde que atendam mais eficazmente essas meninas, tanto no sentido de apoio, suporte social, como o atendimento psicológico que as vezes algumas vão precisar, então na verdade as linha de prevenção a exploração sexual estão contempladas no plano nacional de enfrentamento a violência sexual que constam de eixos de enfrentamento, desde pesquisa âmbito diagnósticas pra conhecermos os fenômenos até incentivos a práticas de protagonismos infanto-juvenil, que podem ser feitos no equipamento escolar por exemplo, em instituições de atendimento a criança que está na situação de vulnerabilização, então perspectivas de trabalho na área do protagonismo são importantes, a questão da criminalização do agressor, os eixos do plano nacional nos remetem as várias dimensões de enfrentamento. Não é simples, é um processo muito a longo prazo mas requer esforços de profissionais na área da educação, da saúde, se os cursos de formação na área de medicina, de psicologia, direito e de professor. Quando o plano nacional foi elaborado e eu participei dessa discussão, se discutiu muito essa questão da formação dos profissionais que atuam com essa clientela, então o profissional do serviço social, da psicologia, do direito, medicina e da educação em especial teriam que ter em seus currículos essa problematização da violência sexual, do encaminhamento correto, da abordagem, porque são eles que vão estar depois trabalhando com essa população.

Na seqüência da entrevista a prof.ª Renata nos fala sobre a formação de educadores e educadoras para enfrentar este problema e a importância da denúncia.

Duplo Sentido: E a gente vê que profissionais da educação, educadores e educadoras não têm um olhar para enxergar os sinais que cerca as crianças adolescentes e que elas mandam, enviam.

Duplo Sentido: A formação desses educadores e educadoras, a denúncia, perpassa pelo medo de denunciar, de ser descoberto a denúncia por um professor, professora? Como é isso?

Dr.ª Renata: A gente tem constatado em várias pesquisas que em cidades grandes, em cidades pequenas o baixo encaminhamento por parte da educação, seja professor, secretaria da educação e tal. Uma série de questão pode estar implícita aí, desde o medo sim, existe um medo muito grande da retaliação por parte do agressor, medo de receber ameaças de morte, existe as vezes até um medo exagerado quanto a isso, e as vezes até a dinâmica da instituição, ou de estrutura escolar que as vezes, o professor tem uma demanda muito grande de trabalho, isso preocupa muito com a questão do conteúdo muitas vezes, e não enxerga questões mais afetivas ou relacionais, porque as crianças vitimisadas seja pelo abuso sexual, seja pela exploração sexual, elas expressam tanto verbalmente, ou no seu corpo, sinais concretos ou sinais que não são tão claros assim, as vezes isso é expresso na timidez excessiva, em comportamentos sexuais exacerbados para aquela faixa etária, através de uma timidez intensa, uma agressividade muito grande, então veja, é importante formarmos educadores para estarem sensíveis a esses indicadores, e mais, é importante desenvolver neles a idéia da proteção que a escola exerce, então a escola é ou pode ser um grande fator de proteção na medida que identifica e denuncia isso aí. E aí no caso o professor tem que saber que a denúncia não precisa ser dele professor, a denúncia pode ser institucional pela escola, ou até pela diretoria de ensino, então muitas vezes abri as bre regionais que podem fazer essa denúncia além de que ele pode faze denúncia anônima, então veja, eu não preciso liga ou manda um relatório pro tutelar, eu como sociedade, como membro, posso mostra meu compromisso como pessoa e ir lá e fazer uma denúncia anônima, que aí você não vai em momento algum dizer que é professor e muito menos de é tal escola, então você cumpriu a sua função social. Nós temos que desenvolver e fortalecer o professor para ele agir como um agente de proteção mostrando um compromisso maior com essas crianças e não perpetuando violências que duram anos, e as crianças ressentem-se muito conversamos com elas e elas dizem, olha a minha professora sabia ou eu acho que ela sabia, mas ela não fez nada pra me ajudar, então, as crianças têm essa percepção da falta que o auxílio que escola as vezes não oferece a ela.

Duplo Sentido: Dr.ª Renata muito obrigada pela entrevista e a senhora gostaria de comentar mais alguma coisa pro nosso programa Duplo Sentido?

Dr.ª Renata: Eu acho que o importante é a gente pensar, não só na ação dos profissionais como fatores protetivos a essas crianças, mas pensarmos enquanto sociedade, então se cada um de nós, se somos um visinho, se somos uma madrinha, um conhecido dessa criança e que percebemos que ela está sendo assediada, que ela está sendo abusada, que ela está sendo vitimisada por alguma forma de violência, não só a sexual, a gente tem o compromisso ético, moral e até legal de efetuarmos denúncias, para que essas crianças sejam protegidas.

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