Tessitura 1

Tessitura 1: Texto É possível realizar uma história do corpo e filme Distrito 9

Na Atividade 1.1, foi solicitado que os/as participantes lessem É possível realizar uma história do corpo?, de Denise Sant’Anna (2006), e, em seguida, produzissem um pequeno texto com as impressões sobre o artigo. Destaco, nessa atividade, a postagem de Vermelho[1], que disse, respondendo ao post principal: “Pessoal, quando puderem, assistam o filme ‘Distrito 9’, ele faz uma crítica ao conceito de ser humano. O ser humano só é considerado ser humano se tiver um ‘corpo humano’? Acho que tem tudo a ver com o texto proposto acima![2]”. Vermelho estabelece um diálogo entre o texto-base da atividade e o filme Distrito 9[3], lançado em 2009, do diretor Neill Blomkamp, que conta a história de um gueto na África do Sul que reúne seres extraterrestres refugiados na Terra. O conflito começa quando o governo tenta transferir o grupo do local e um agente é contaminado por uma substância desconhecida que faz o seu corpo sofrer mutações.

O trecho que escolhi da postagem de Vermelho foi: “O ser humano só é considerado ser humano se tiver um ‘corpo humano’?”. Fazendo uma aproximação com os conceitos propostos por Ingedore Koch, Anna Christina Bentes e Mônica Cavalcante (2008), houve, nesse caso, semelhança com as intertextualidades: temática, pois tanto o texto quanto o filme têm o corpo como tema; e explícita, já que Vermelho indicou claramente a referência entre texto e filme. Ao fazer essa transposição, Vermelho demonstrou conhecimento de mundo e possuir habilidades relacionadas aos multiletramentos, já que consegue estabelecer relações entre o texto lido (texto-base) e a realidade social (interferências das tecnologias). Essa analogia acontece, pois o texto-base traça um panorama sobre a forma como o corpo foi e é visto ao longo da história da humanidade, tratando, inclusive das interferências tecnológicas provocadas nele (SANT’ANNA, 2006).

Além disso, Vermelho deixou clara a sua postura, a qual pode ser entendida como um ato público (BARTON; LEE, 2015), ao realizar um questionamento em sua postagem. E já que me baseei na análise textual discursiva, para a qual “interpretar é construir novos sentidos e compreensões, afastando-se do imediato e exercitando uma abstração” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p. 58), pude inferir dessa indagação a demonstração de senso crítico de Vermelho em relação às formas como o corpo é visto em sociedade. Segundo Judith Butler (2003, p. 162), “as imagens corporais que não se encaixam em nenhum desses gêneros ficam fora do humano, constituem a rigor o domínio do desumanizado e do abjeto, em contraposição ao qual o próprio humano se estabelece”.

A postagem vai ao encontro do ponto de vista da autora supracitada, tendo em vista o questionamento de Vermelho sobre o que constitui a pessoa humana e a relação que pode ser estabelecida entre ela e seu corpo, seja como humano ou alienígena, no caso da aproximação com o filme, seja em relação aos papéis que a sociedade atribui aos gêneros. Dessa forma, como explicita Cláudia Ribeiro (1996, p. 23),

Não é possível construir primeiramente um corpo e somente depois um corpo sexuado. Os materiais significantes para essa construção provêm de duas origens: do organismo e da cultura. No organismo, os imperativos biológicos básicos que diferenciam homens e mulheres são o fecundar para o homem e o menstruar, gestar e amamentar para as mulheres. As outras diferenças são atribuídas socialmente e variam de acordo com a época, o local e a cultura.

Com base no que aponta a autora, diferenças orgânicas e culturais podem se confundir ao se dar significado ao ser humano, percepção essa que, entendo, foi compreendida também por Vermelho, tendo em vista a pergunta feita por ela na postagem, na tentativa de motivar uma discussão no Curso Corpo, saúde, sexualidades. Essa abordagem pode, ainda, suscitar outro questionamento: até que ponto as pessoas que se afastam dos “parâmetros de normalidade” esperados pela sociedade (masculino e heterossexual) também não são vistas – e perseguidas – como os alienígenas do Distrito 9?

 

[1]  A fim de preservar a identidade das/os participantes, elas/eles serão denominados com cores, em vez de serem marcadas/os por números, o que, considero, transmite um sentido de objetificação da pessoa e vai de encontro aos princípios desta pesquisa.

[2] As transcrições serão mantidas conforme foram postadas nas discussões do Facebook, mantendo a informalidade dos textos e até, em alguns casos, alguns desvios em relação à norma culta. Tendo em vista ser a postagem em redes sociais um gênero caracterizado pela coloquialidade, alterar os textos, adequando-os à norma padrão, comprometeria o sentido textual, além de ser uma interferência arbitrária na forma como as/os participantes se expressaram.

[3] Sinopse disponível em: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-143026/. Acesso em: 1 jun. 2017.

Tessitura 2: Entrevista O espelho é a nova submissão feminina e postagem Mulher é… ->