Conceituando artefatos multimídias e intermultimidialidade

A terminologia que utilizo provém do conceito de artefato que, segundo o dicionário, caracteriza um “aparelho, mecanismo ou engenho construído para finalidade específica” [1], ou ainda, para a antropologia e a arqueologia, um “objeto que sofreu alteração provocada pelo homem, em oposição àquele que é resultado de fenômeno natural”[2]. No mesmo viés, multimídia[3] é uma “produção que, fixada em um meio digital, reúne em um único suporte diferentes modalidades de expressão criativa, como, por exemplo, desenho, som, animação, vídeo, texto, performance etc.” Artefato multimídia pode ser, portanto, um vídeo do Youtube, uma postagem do Facebook, uma música, um artigo científico, uma reportagem, entre tantos outros exemplos.

Este conceito advém, ainda, de outras duas perspectivas. A primeira delas está relacionada ao conceito de artefato que, segundo Patricia Vasconcelos Almeida (2006), inclui tanto um objeto material (ferramenta) quanto aspectos relacionados ao discurso veiculado por meio deste (ferramentas externas e internas). Já multimídia é um conceito que, segundo Pierre Lévy (1999), advém de mídia: suporte de informação e comunicação. Logo, multimídia se refere ao que emprega o uso de tais suportes. Sendo assim, a reconfiguração que proponho para artefatos multimídias busca transmitir essa noção dos vários suportes (texto impresso, cinema, internet, entre outros) que veiculam diferentes discursos, seja em linguagem verbal ou não verbal (palavras, imagem, música, gesto etc.).

Os artefatos multimídias utilizados pelo/a o/a professor/a podem tornar mais dinâmica e rica a discussão e mais profícuas as atividades que desenvolve sobre relações de gêneros e sexualidades. Mas, para isso, ele/ela precisa, ainda, desenvolver duas habilidades, tanto para si quanto junto a seus/suas alunos/alunas: saber compreender esses artefatos e seus usos sociais (multiletramentos) e conseguir identificar o diálogo que podem estabelecer entre si, o que acontece de modo simultâneo e contínuo (intermultimidialidade[4]).

Com base nessa articulação, entende-se que, de acordo com o que afirma José Manuel Moran (2011, p. 17), “estamos diante de uma tarefa imensa, histórica e que levará décadas: propor, implementar e avaliar novas formas de organizar processos de ensino-aprendizagem, em todos os níveis de ensino, que atendam às complexas necessidades de uma nova sociedade da informação e do conhecimento”. Esta pesquisa é, também, uma forma de tentar repensar os processos de ensino-aprendizagem, tanto no ensino superior, quanto na educação básica, já que, se os/as professores/as futuros/as tiverem, em sua formação, esse novo modo de olhar, levarão isso para a sala de aula, quando egressos/as das universidades.

Assim, cursos como o Corpo, saúde, sexualidades contribuem para a formação docente e para a aplicação desse conhecimento em sala de aula. Contudo, não adianta dar às/aos futuras/os professoras/es uma receita pronta para que seja apenas aplicada no processo educativo. É importante possibilitar o desenvolvimento da liberdade de escolhas metodológicas, para que ela/ele desenvolva as próprias atividades, de acordo com as turmas em que lecionarão e com aquilo que elas necessitam discutir.

Para realizar esse trabalho, podem ser utilizadas várias ferramentas, sem embotamento, porque a problematização das temáticas ligadas a gêneros e sexualidades não é engessada, já que identidade sexual é algo subjetivo, pois se trata de pessoas, que mudam. A identidade é cambiante, furta-cor, tem várias nuances, pois o ser humano é assim. Seguindo essa linha, Grupo Furta-cor e Grupo Purpurina, doravante denominados GFC e GPR, respectivamente, são os nomes dos grupos do Curso Corpo, saúde, sexualidades. Eles são assim chamados por significarem essas cores que brilham, que mudam, esse movimento e olhar de diferentes ângulos, o que proporciona poesia e beleza à prática docente, à educação e ao relacionamento humano.

Não é porque uma pessoa não se enquadra em um padrão pré-determinado que ela deixa de merecer respeito enquanto ser humano, com suas múltiplas cores e formas. Há, no mundo, mais de sete bilhões de pessoas e cada uma tem a sua identidade, a sua subjetividade, a sua nuance de cor. Torna-se, então, complexo identificar se é a pessoa que carrega a subjetividade ou se é a subjetividade que carrega a pessoa. Ou seja, entendo que há um constante ciclo, já que cada pessoa é única e expressa isso em suas peculiaridades, como o modo de agir, falar, se expressar, mas, também, pode-se pensar que esses modos de ser e estar acabam sendo influenciados pelas relações sociais e interferindo na constituição da subjetividade de cada pessoa.

Para se discutir esse assunto, com tantos tons e nuances, são necessárias ferramentas, as quais podem ser as mais diversas possíveis, pois sem diversidade de meios não há como discutir nuances. Então, parece não haver alternativa: é preciso lançar mão de diferentes artefatos de comunicação. Nesta pesquisa, defendo serem os artefatos multimídias instrumentos que podem ser utilizados para se trabalhar, em sala de aula, com qualquer temática, tendo em vista serem contemporâneos e próprios da realidade de alunas e alunos. Mas, de acordo com o que demonstra Vani Moreira Kenski (2010),

Para que ocorra essa integração, é preciso que conhecimentos, valores, hábitos, atitudes e comportamentos do grupo sejam ensinados e aprendidos, ou seja, que se utilize a educação para ensinar sobre as tecnologias que estão na base da identidade e da ação do grupo e que se faça uso delas para ensinar as bases dessa educação. (p. 43).

De acordo com o que demonstra a autora, a educação precisa utilizar e refletir sobre a tecnologia, para que esta contribua para a educação. O dicionário indica que tecnologia[5] é um “conjunto de processos, métodos, técnicas e ferramentas relativos a arte, indústria, educação etc.; conhecimento técnico e científico e suas aplicações a um campo particular” e, por extensão, “tudo o que é novo em matéria de conhecimento técnico e científico”. A isso corrobora Vani Moreira Kenski (2010, p. 24), que define tecnologia como “conjunto de conhecimentos e princípios científicos que se aplicam ao planejamento, à construção e à utilização de um equipamento em um determinado tipo de atividade”. Assim, a tecnologia irá variar conforme a época e o local de cada sociedade.

A tecnologia, que hoje é sinônimo de smartphones, computadores e internet, na verdade, é aquilo que a humanidade usa a seu favor: desde a pedra, passando pela imprensa, até chegar aos tablets. Por isso, não é adequado dizer novas tecnologias, tendo em vista que elas serão novas de acordo com a época ou com quem as utiliza. Portanto, as mais recentes, são chamadas de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), por assim se caracterizarem. Mas, como a tecnologia relaciona-se às necessidades do ser humano, no passado, as tecnologias já foram, por exemplo, as técnicas utilizadas para fazer o fogo ou caçar (KENSKI, 2010).

Pode-se notar, então, que os artefatos são ferramentas que a sociedade usa, ao longo da sua história, e que, por isso, serão característicos de cada cultura. Como se vive em uma sociedade tecnológica e digital, o artefato atual é multimídia, o que pressupõe várias linguagens que convergem dentro de uma ferramenta; por exemplo, um vídeo que reúne imagem, som, texto, gesto, movimento, entre outros. Logo, observa-se que a utilização dos recursos citados, abordados nesta pesquisa para o trabalho com as sexualidades em sala de aula, pode-se estender para outras temáticas: consumismo, meio ambiente, literatura, entre outros.

 

[1] Artefato. Acepção retirada do dicionário Michaelis online. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=artefato. Acesso em: 11 mar. 2017.

[2] Artefato. Acepção retirada do dicionário Michaelis online. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=artefato. Acesso em: 11 mar. 2017.

[3] Multimídia. Acepção retirada do dicionário Michaelis online. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/busca?id=okzE7. Acesso em: 11 mar. 2017

[4] Entendo aqui o ineditismo dos termos artefato multimídia e intermultimidialidade, quando aplicados à área de pesquisa deste trabalho. O que se comprova por buscas realizadas por meio do Google Acadêmico (Disponível em: www.scholar.google.com.br. Acesso em: 19 mar. 2017) e do banco de teses e dissertações da Capes (Disponível em: www.bancodeteses.capes.gov.br. Acesso em: 19 mar. 2017), que não retornaram outras pesquisas que utilizam esses termos da forma como utilizei.

[5] Tecnologia. Acepção retirada do dicionário Michaelis online. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=tecnologia. Acesso em: 11 mar. 2017.

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