Multiletramentos e a “leitura” de mídias

Para fazer uso adequado dos artefatos multimídias é necessária uma habilidade denominada multiletramentos que, na concepção de Roxane Rojo (2012), é a capacidade e a prática de compreender e produzir textos compostos por muitas linguagens (ou modos, ou semioses) e, portanto, chamados de textos multimodais ou multissemióticos. Esse conceito advém da noção de letramento que, por sua vez, é uma ampliação da alfabetização. Enquanto esta é uma habilidade de decodificação, aquele é a ampliação desse e busca sentido no que há além do simples decodificar. Do mero ato de juntar letras e formar palavras a entender o sentido que elas carregam – ou escondem – chega-se hoje à necessidade de saber “ler” imagens, vídeos, sons, o que constitui a habilidade de multiletramentos. Assim, ele acontece quando a decodificação é feita, não apenas no nível do texto, mas das imagens, do som, entre outros.

Mas a noção de multiletramentos é ainda mais que isso, de acordo com a autora supracitada, pois prevê a dimensão cultural da pessoa que tem contato com esses diferentes artefatos multimídias. A compreensão do que se vê, lê, escuta e a relação que se estabelece entre essas ações vai depender do conhecimento de mundo e das habilidades em lidar com esses artefatos. Dessa forma, por exemplo, no caso do Curso Corpo, saúde, sexualidades, a forma como as/os participantes compreenderam os textos, os vídeos, as músicas e as imagens utilizadas nas atividades e os diálogos entre esses artefatos – e desses com outros – dependeu do conhecimento prévio que essas pessoas tinham sobre esse material.

Nesse contexto, Roxane Rojo e Jacqueline Barbosa (2015) ressaltam as possibilidades de interação que os textos multimodais possibilitam, especialmente no contexto virtual, já que

Frente o que se segue (ou ao que é de alguma forma publicado) na rede, é possível ter diferentes níveis de resposta: algumas acessíveis diretamente a quem publica o conteúdo – curtir, comentar, redistribuir (sem comentar), redistribuir com comentário fundamentado (redistribuição crítica) etc. –; outras não tão diretamente acessíveis: publicações em outras redes ou espaços sem referências diretas às origens. Essas publicações/respostas também podem ser multimodais: podem  misturar diferentes linguagens (para além da verbal, vídeos, áudios, imagens de diferentes tipos, estáticas ou em movimento etc.). (p. 123, grifos das autoras).

A rede é exatamente aquilo que carrega sentido de multiplicidade, que propicia diferentes ações e modos de compreensão, seja por meio do relacionamento entre pessoas, tanto de forma presencial quanto a distância, seja pelo intercruzamento de artefatos multimídias. E esses recursos podem ser utilizados em conjunto, por meio dos pontos em que se intercruzam, tratando do mesmo tema ou de assuntos que dialogam entre si.

Sobre essa relação, Beth Brait (2013) indica que as atuais práticas de leitura requerem o letramento concomitante em linguagem verbal e em linguagem não verbal: “a dimensão visual interage constitutivamente com o verbal (ou vice-versa), acrescentando-lhe valores. Sem esse jogo não se dá a construção do objeto de conhecimento, nem dos sujeitos da construção e da recepção” (p. 62). É considerando isso que se defende a necessidade de uma formação docente que propicie ao/à futuro/a professor/a saber trabalhar com essas habilidades de leitura, já que a reflexão mobiliza possibilidades de interpretação. E, para conseguir sustentar essas possibilidades de refletir e interpretar, junto com os/as alunos/as, é necessário constituir um referencial teórico que possibilite suscitar direcionamentos de leitura dos textos, de interpretação de imagens e vídeos e das relações entre eles.

Em consonância a isso estão as ideias de Helena Maria Ferreira, Marco Antônio Villarta-Neder e Mauricéia Silva de Paula Vieira (2015), que discutem sobre como as práticas sociais interferem na relação do/a leitor/a com os múltiplos textos com os quais ele/ela tem contato. E, nesse contexto, estão as leituras em ambientes digitais, as quais podem ser de textos, imagens, vídeos, entre outros, e as relações que esses artefatos multimídias estabelecem entre si, como o que se propõe nesta pesquisa.

A ligação entre o uso social dos multiletramentos, as tecnologias, a linguagem e as opiniões que podem ser expressas por meio dela, inclusive para um posicionamento crítico sobre as temáticas relações de gêneros e sexualidades, advém de um conceito cunhado por David Barton e Carmen Lee (2015) sobre posturas. Segundo esse autor e essa autora, postura “se refere ao posicionamento das pessoas em relação a si mesmas, ao que é dito, e a outras pessoas ou objetos” (BARTON; LEE, 2015, p. 118). E esse conceito é central nas discussões que envolvem as tecnologias e redes sociais, tendo em vista ser esse um espaço muito utilizado para a expressão de opiniões. No terceiro capítulo, serão apresentadas as tessituras, forma como escolhi nomear os recortes das produções das/os participantes, advindas das postagens nas atividades do Curso Corpo, saúde, sexualidades, a fim evidenciar como o objetivo desta pesquisa foi atingido.

Intertextualidade/interdiscursividade e o diálogo entre textos/discursos ->